Na véspera do
dia da queima das fitas, como habitualmente, as ruas de Coimbra fervilhavam de
gente. Muitos eram forasteiros que embora oriundos de outras regiões,
galvanizados pelo ambiente estudantil, deixavam-se facilmente enamorar pelas
tradições académicas. Com o aproximar da hora, alguns estudantes ocupavam-se
dos últimos preparativos para o desfile das academias; outros, deambulavam pela
cidade em ritual boémio e excessos de toda a ordem, como que anunciando o
culminar da sua etapa estudantil. Entre esses, encontravam-se dois finalistas de
direito, o Barnabé e o Esteves, acompanhados das respetivas namoradas, que com
a hora do jantar a avizinhar-se decidiram petiscar.
Corria a década
de setenta do século passado, num tempo em que o dinheiro não abundava nos
bolsos de muitos cidadãos e para os estudantes a situação não fugia à regra,
atendendo a que dependiam da mesada dos pais que por sinal bastante
forretas, fruto das dificuldades que aquele tempo teimava em oferecer-lhes.
Ora, os dois estudantes mesmo sabendo que não tinham dinheiro sentaram-se à
mesa numa esplanada de uma tasca, preparados para comer e beber do melhor que a
casa tinha para oferecer. Então, aproveitando a confusão gerada pela elevada
afluência, resolveram impressionar as raparigas como se fossem homens
endinheirados. Consultaram a ementa e depois de uma escolha bastante ponderada
decidiram-se por uma caçoila de chanfana para os quatro. Esperaram
pacientemente pelo empregado que, nesse dia, não tinha parança e encomendaram o
pitéu. Ao mesmo tempo, solicitaram também as entradas e uma garrafa de vinho
tinto alentejano, com o comentário de que aquele prato requeria uma pinga de
qualidade.
O dia fora
movimentado e a barriga estava a reivindicar aconchego. Mas na presença das
raparigas argumentavam que, na hora da despedida, queriam aferir a qualidade da
confeção daquela iguaria regional, sobejamente elogiada por muitos
apreciadores.
Enquanto aguardavam
que o jantar lhes fosse servido, iam petiscando em amena cavaqueira, numa
postura alegre e descontraída, longe de qualquer preocupação com o pagamento.
Precisavam de impressionar os tasqueiros pela positiva que, normalmente eram
muito experientes e detetavam os caloteiros até pelo olhar.
Logo que o
empregado os serviu entregaram-se ao prazer de cada garfada com a voracidade de
quem há muito não comia uma tal iguaria. Contudo, à medida que a caçoila ia
ficando vazia, nos bastidores do espírito dos dois doutores apenas existia uma
preocupação, como iam sair da encruzilhada em que se haviam metido. Mas depois
do primeiro combate terminar, dedicaram-se à sobremesa com o mesmo apetite do
prato principal.
No final, depois
de bem saciados, estudaram, rapidamente, a melhor forma de se livrar da despesa
que haviam contraído. Assim, logo que o empregado se ocupou de outros clientes,
o Esteves acompanhado das raparigas deixou o aconchego da mesa que ocupavam em
busca de um refúgio previamente acordado entre os dois homens. Mal o terreno
ficou livre, Barnabé, o mais ousado, levantou o braço em direção ao empregado e
solicitou a conta. Cheio de boa-fé, o pobre homem baixou a guarda e
encaminhou-se para a caixa registadora instalada no interior do
estabelecimento e quando regressou, num abrir e fechar de olhos, encontrou a
mesa vazia. Correu inquieto tentando localizar os jovens doutores, mas não lhe
voltaria a por a vista em cima que, entretanto, se diluíram na multidão.
Dias mais
tarde, quando Barnabé se deslocava na alta coimbrã, deu de caras com o
tasqueiro da caçoila de chanfana que de imediato lhe barrou a passagem,
dizendo:
─
Com que então enchemos a barriguinha à custa aqui do Gilberto, não é!?
─
Ah… Ah… Ah…
─ Não aceito
desculpas! Chegou a hora da cobrança, meu caro doutor! Ou pagas, ou faço sinal
ao polícia! – concluiu Gilberto.
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