sábado, 21 de março de 2020

PASSEIO TURÍSTICO À TRUTA


Na abertura da pesca desportiva à truta que ocorreu, como habitualmente, no dia um de março, acompanhado por três amigos, seguimos ao encontro das ribeiras da nossa Serra. Este ano também não foi exceção. Bem cedo, à hora combinada, partimos com destino, inicial, ao rio Ceira a fim de confraternizar com a natureza rude.
Por volta das sete horas da manhã, chegámos aos Cavaleiros, sob o Céu límpido e uma temperatura amena, num cenário envolvente de carquejas e moitas floridas que parecia anunciar a chegada da Primavera. Iniciámos a jornada, contemplando a beleza daquele jardim natural, num local em que o terreno é de configuração sinuosa e afundado entre montanhas, mas onde o eterno cantarolar da corrente nos convidava a lançar a linha à água. Perante a generosidade daquela dádiva da natureza, avançámos rio adentro prontos a enfrentar qualquer adversidade. No entanto, nesse percurso, movimentámo-nos com muita dificuldade devido à proliferação de acácias e salgueiros que, em cada dia, crescem descontroladamente e vão invadindo não só as margens como também as linhas de água. Contudo, logo que nos desenvencilhámos de todo aquele emaranhado vegetal, prosseguimos para montante com destino ao Casal Novo, Mata, Cartamil e Ponte Fajão em busca de melhores condições de progressão. 
No lugar do Casal Novo cruzamos com um pescador do nosso escalão etário, impelido para aquelas andanças por motivo idêntico ao nosso, que nos chamou à atenção para a ausência de pescadores que, em anos anteriores, não faltavam à abertura da pesca. Não foi surpresa, de ano para ano, já era notado algum abandono por pessoas que, até então, se dedicavam à pesca desportiva. Para além desses, também não encontrámos jovens. Indicador de que aquele desporto salutar não desperta o interesse da juventude atual que, certamente, tem assuntos mais importantes para ocupar os tempos livres o que não era o caso no tempo da nossa.  
O que nos move não é a quantidade de exemplares capturados, o que só esporadicamente acontece, mas essencialmente usufruir do reencontro com velhos amigos que são: campos, serranias, rios, ribeiras e riachos. Uma forma de buscar liberdade na tranquilidade dos montes tentando, tanto quanto possível, fugir à balbúrdia citadina e à hipocrisia de alguns políticos com que somos confrontados a cada dia. Pena é que os acessos, repletos de vegetação selvagem, se vão tornando, em cada passo, mais inacessíveis, dificultando a movimentação de qualquer transeunte e obstruindo o habitat de todas as espécies piscícolas.  
Para nós, mais de que um desporto, trata-se de uma forma diferente de dialogar com a nossa Serra, apesar das limitações físicas que a marcha imparável do tempo nos impõe, atendendo ao meio hostil com que somos confrontados, constituído por corrente de água, vegetação densa, rochedos escorregadios e açudes escarpados. 
Durante décadas percorremos rios e ribeiras de toda região centro, mas depois da implementação das concessões de pesca que interditaram muitos desses cursos de água ficámos limitados aos lotes ainda livres que, por sinal, correspondem sempre aos mais inacessíveis que, por sua vez, são sempre os mais afastados das localidades. Naquele tempo, conhecíamos à lupa vários rios como: o Ceira, o Alva, o Unhais e quase todos os afluentes destes dos quais guardamos recordações de momentos inesquecíveis passados em pleno convívio com a natureza.
Hoje, a política de concessões que deveria ter como finalidade o benefício das espécies e do ambiente, em nosso entender, só se destina a burocratizar. Não se trata de uma questão de rebeldia contra as concessões de pesca. Longe disso. Apenas discordamos da sua implementação porque ainda não constatámos nenhuma vantagem neste tipo de regimes. Nem para os desportistas, nem parra o ambiente, nem tão pouco para as espécies. A menos que se façam repovoamentos e se limpem as ribeiras no seu todo, tanto nos lotes destinados à prática desportiva como nas zonas de abrigo ou desova as concessões não terão, em nossa opinião, qualquer mais-valia relativamente aos troços livres. Até lá que nos perdoem os simpatizantes deste sistema, mas nós só destacamos burocracia a que se juntam mais licenças para além das exigidas pelos serviços florestais (ICNF). De qualquer modo e perante tal cenário, só nos resta uma solução que é tentar contornar as areias que fazem os possíveis para emperrar a engrenagem da pesca desportiva em liberdade.   
No meio de tudo isso, reconheço que se aproxima o momento de, também nós, obedecendo à marcha imparável do tempo que caminha rapidamente para o entardecer da vida, desistirmos de uma prática desportiva que nos motivou durante décadas, sobretudo pelo prazer de degustar o farnel na intimidade da natureza. Também outros, do nosso escalão etário, com quem confraternizámos durante a prática desportiva, deixaram de nos acompanhar: uns porque o seu percurso de vida foi subitamente interrompido, outros porque a saúde já não lhes permite correr os riscos que este desporto comtempla. 
Na continuação da nossa etapa, por volta das onze horas, chegámos à ponte de Cartamil sem que tivéssemos capturado qualquer exemplar. No entanto, para além de observarmos os movimentos de diversos corvos marinhos que são hábeis mergulhadores em busca de peixe, convivemos de perto com duas lontras bem alimentadas que, indiferentes à nossa presença, basculhavam, descontraidamente, o leito do rio. E ainda, sem que nada o fizesse prever, fomos surpreendidos por um javali fêmea (javalina) que acompanhava vários filhotes (riscados) que, ao aperceber-se da nossa presença, desencadeou uma corrida tresloucada em direção a um dos nossos elementos que só por milagre se conseguiu furtar ao ataque. Nada que já não nos tivesse acontecido noutros locais, mas devo confessar que é sempre uma situação pouco divertida para quem a vive. 
Logo a seguir, como habitualmente, avançámos para o parque das merendas de Cartamil, (mais propriamente parque Laurinda da Conceição Fernandes) que se situa a cerca de cem metros a montante da ponte que, para nós, foi sempre um local de escala obrigatória, não só pelas suas boas condições como, ainda, por falta de alternativa na região. O dia solarengo que ia temperando o ar fresco que, entretanto, soprava de nordeste, convidava à preparação do almoço. A barriga começava a reivindicar a reposição dos níveis de sólidos e líquidos e nada melhor do que fazer-lhe a vontade. 
Quando chegámos ao parque, muito bem ilustrado por retábulos de santos e lápides com vários poemas de Ramos Mendes, fomos surpreendidos por um velho amigo que resolveu fazer-nos uma surpresa. Era um homem que nos acompanhou nem só na pesca como noutras etapas da vida e enquanto a saúde lhe permitiu respondeu sempre à chamada. Agora, na companhia da esposa e obedecendo ao apelo da alma, resolveu fazer-nos uma surpresa em plena contenda. Conhecendo as nossas rotinas, queria comungar do convívio e da amizade que sempre nos norteou. 
Começámos por acender o grelhador e enquanto se preparavam as brasas para grelhar o bacalhau, íamos degustando os acepipes acompanhados por um bom tinto alentejano e com graçolas à mistura que começaram, desde logo, pelo ataque do javali que foi o tema dominante. 
Durante o almoço, em alegre cavaqueira, demos largas ao apetite e recordámos histórias, vividas ao longo da caminhada da vida, que nos divertiram e nos incentivaram a novos reencontros se a pandemia (Covid – 19), entretanto, nos permitir. No final, por volta das catorze horas, o nosso amigo seguiu o seu destino lamentando o facto de já não nos poder acompanhar como tanto gostava, mas a vida é assim, não se compadece da nossa vontade. E nós partimos em direção à Pampilhosa da Serra, mais propriamente com destino às ribeiras de Pescanseco, a seguir Praçais, depois Carvalho e por fim Pessegueiro. Uma rota que, com o passar dos anos, se foi tornando quase obrigatória não passando de uma visita turística à nossa Serra. 
Apesar de todas as dificuldades que se avizinham em cada um de nós, nem tudo é mau, foi com satisfação que verificamos o trabalho que tem sido desenvolvido em prol da limpeza das ribeiras afluentes do rio Unhais, junto aos povoados, que nos permitiu a passagem em locais que até há pouco tempo nos eram inacessíveis. Um trabalho gigantesco que deixa a nu não só parte das margens como também as linhas de água. Como é sobejamente conhecido, não é um trabalho fácil, atendendo às difíceis acessibilidades e à vastidão da vegetação. Uma selva que engloba árvores de grande porte como: acácias, salgueiros, pinheiros, eucaliptos e amieiros. Tudo envolvido por silvas e vegetação rasteira que impossibilita qualquer movimento. Atendendo a que a natureza se transforma, em cada dia que passa, e a desertificação vai alterando a paisagem de forma irreversível, pensamos que pouco haverá a fazer atendendo a que a limpeza é, economicamente, inexecutável.
                No final da jornada regressámos a casa, e embora as capturas não tenham correspondido às expectativas, com o sentimento de que passamos um dia em puro convívio com a natureza agreste. Sem esquecer o excelente almoço que é, nas atuais circunstâncias, um dos melhores motivos para visitar a nossa Serra. Mas, ainda assim, cientes que estará próximo o tempo de arrumar o material de pesca.