segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

DESCIDA AO INFERNO



Nesta manhã, ao virar de uma esquina, deparei-me com uma mulher, de aparência jovem, a inspecionar os detritos de um contentor do lixo. Reparei naquele corpo franzino que envergava roupa muito aligeirada, aparentemente, alheio ao frio que se fazia sentir e deduzi que deveria passar por muitas carências. Com notada determinação remexia o conteúdo como se dessa busca dependesse a sua primeira refeição do dia.
Infelizmente, um cenário que vai sendo frequente a cada dia que passa, fruto de uma sociedade cada vez mais desigual, num país onde o altruísmo dos políticos parece funcionar apenas em proveito dos seus próprios interesses e nunca em benefício do cidadão. Enfim, a mim, com uma longa vivência em cenários de guerra, já nada me surpreende, mas aqui, o que me tocou verdadeiramente foi a presença de uma criança de tenra idade, sentada junto ao contentor, num pequeno quadriciclo, que assistia ansiosa ao manipular do lixo e que palrava uma linguagem indecifrável, tentando assim dialogar com a progenitora.
Mergulhada na indignidade a que a vida a conduzira, a jovem mãe vasculhava os restos dos outros para mitigar as suas carências. A procura era tão absorvente que a tornava indiferente ao que se passava à sua volta, mas ainda assim, parecia interagir com a criança que não desviava os olhitos dos seus movimentos. A pobre coitada, depois de um primeiro combate sem o sucesso que esperaria, empurrou o carrinho até junto de outro contentor e entregou-se novamente à luta, em busca de algum aconchego.