quarta-feira, 21 de novembro de 2018

CRISE NA PERDIZ VERMELHA


Depois de muitas jornadas a calcorrear os montes sou obrigado a concluir que as espécies cinegéticas menores estão em vias de extinção, pelo menos, em algumas regiões de Portugal. Já lá vai o tempo em que coelhos, lebres e perdizes abundavam pelos montados e serranias do interior país, mas por motivos diversos caminham inevitavelmente para o extermínio. Há cerca de uma década, ainda, era frequente encontrar bandos, numerosos, de quinze e dezoito perdizes. Hoje, tudo se modificou para pior. Mesmo em alguns dos, pomposamente, chamados pelos responsáveis políticos de terrenos ordenados, que só são ordenados para emitir as credenciais de acesso, raramente se encontra um bando digno desse nome. Até mesmo casais só esporadicamente se encontram. É mais frequente deparar com perdizes solitárias e isso, não só, significa que a nidificação não se consumou, mas também que o outro elemento do casal terá sido capturado por um qualquer predador.
Para a redução de exemplares estarão, certamente, os muitos perseguidores que têm por esta ave um apetite especial. Para além do javali, raposas, saca-rabos e aves de rapina, que as buscam o tempo todo, o homem pouco tem contribuído para preservar a espécie. Paralelamente a esses, os incêndios e as doenças, também, não lhe têm facilitado a vida. Mas, em minha opinião, o javali é o pior de todos os predadores e o principal responsável pelo declínio das espécies menores que se vem acentuando ano após ano.
Não há dúvida que a desertificação potenciou o terreno para os grandes incêndios que passaram a assolar, periodicamente, todo o interior reduzindo a cinza muitas espécies vegetais e também muitos exemplares animais. Mas a natureza regenera-se e não é por aí que vem o mal maior em relação à perdiz vermelha. Uma ave que dispõe de grande instinto de sobrevivência para fugir às chamas quando estas se propagam durante o dia. Embora acredite que à noite seja mais problemático. Pena é que, após os incêndios, muitos desses terrenos tenham sido ocupados por plantações de eucaliptos que para além dos malefícios para o ambiente alteraram definitivamente o habitat das espécies menores. A desertificação também contribuiu para que muitas terras de semeadura ficassem em pousio, onde as espécies menores se alimentavam. Tudo isso tem contribuído negativamente na sobrevivência das aves.
Por outro lado, nas áreas que não foram castigadas pelos incêndios, o abandono das terras permitiu que os matagais, à mistura com outra invasora que é a acácia mimosa, alastrassem descontroladamente por vastas áreas onde a caça maior se sente no seu habitat natural. Em função desse abandono do interior e aproveitando as condições favoráveis, do terreno e da legislação em vigor, algumas organizações de caça maior promoveram o repovoamento do javali por esses territórios.
Nessa época, uma vez que foi essa a decisão, o javali deveria ter sido limitado a pequenas áreas onde fosse possível controlar a sua implementação, ou seja, em locais guarnecidos por vedação, mas como nada disso aconteceu o resultado não poderia ter sido mais devastador. Todo o interior foi tomado pelo javali. Mais, já são vistos, com frequência, pelo litoral e até na proximidade das grandes cidades. O javali é um invasor que, rapidamente, se multiplicou por todo o território não poupando vinhas, pomares e outras plantações, nem as espécies cinegéticas menores escapam a esse predador selvagem de grande poder destrutivo. Indiferente ao tempo e hora, devora e vira do avesso tudo por onde passa, tanto por terrenos de semeadura como em plena serrania agreste.
Ainda assim, fico espantado quando oiço supostos defensores da natureza que alegam, talvez por interesses ocultos, que há necessidade urgente de preservar o javali. Em meu entender, se é que entendo bem, só será necessário proteger mais o javali, do que já é presentemente, se quiserem fazer do interior do país uma imensa coutada onde o homem não tenha mais lugar para viver. Se é isso que querem estão no caminho certo, embora eu pense que as pessoas deveriam estar em primeiro lugar, porque sem gente a natureza torna-se ainda mais agreste. Este é apenas o meu pensamento porque os grandes crânios têm, como não podia deixar de ser, outra ideia, mas nem sempre baseada no conhecimento do terreno. Mas, entretanto, relatem essa intenção, essa nova forma de encarar a natureza, àqueles resistentes que, ainda, vão tentando zelar por aquilo que é seu e assistem impotentes à destruição do património sem qualquer retorno económico por parte dessas organizações.
Agora, aos heróis que, ainda, vão resistindo, nas aldeias do interior, já não é permitido fazer a agricultura de qualquer tipo, nem mesmo a de subsistência, porque o javali não consente. Nem mesmo nos quintais contíguos aos povoados conseguem que as suas plantações de novidades tenham êxito se não estiverem protegidos por vedação. Em função disso, sem outras armas, só lhes resta a resignação ou rumar a outras paragens deixando o legado dos seus antepassados, fruto de muitos séculos de um trabalho gigantesco, entregue aos invasores de quatro patas.
Atualmente, as perdizes bravias, que ainda vão resistindo, vivem numa intranquilidade permanente. Deixaram de ter habitat devido à perseguição que lhes é movida pelos diversos predadores que não as deixam ter sossego, tanto de dia como de noite. Dificilmente conseguem que a sua reprodução se concretize. E é aqui que reside o problema e não há proteção ou repovoamento que permita inverter a situação enquanto os predadores não forem controlados. De facto, como todos sabemos, sem reprodução não haverá continuidade da espécie. Tudo, porque os ninhos, exclusivamente feitos no solo, não passam incólumes no período de postura de ovos e incubação que dura cerca de vinte e três dias a partir da postura do último ovo. Isso, para já não falar na fragilidade dos perdigotos enquanto estes não conseguem voar situação que só se verifica a partir das seis semanas de vida. Nem os mimetismos da progenitora para se defender e tentar salvar a ninhada dá bons resultados. Com os coelhos e lebres acontece a mesma coisa. As luras não resistem tempo suficiente ao faro apurado dos javalis e têm o mesmo destino, a destruição, e assim não se conseguem reproduzir.