quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

ESCULTURA NATURAL


 
É UMA ESCULTURA NATURAL,
COM UM DESIGN INVULGAR,
MAS O CENÁRIO É BEM REAL,
É A NATUREZA A GELAR.


segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

BATUQUE NA COMUNA DO SESSA


Ao início da manhã, num palco assente em terra batida, três tambores de tamanhos diferentes, forrados a pele de cabra, davam som ao batuque. Das mãos ágeis de cada músico saíam as notas que anunciavam o começo da festa. À medida que a população ia despertando ao som que lhe entrava pelos quimbos dentro convergia para o local onde habitualmente se reunia em dias de festa. O recinto situava-se sob a ramagem de eucaliptos gigantescos que iam coando o sol abrasador que, naquela época do ano, se acentuava sobre a região. Estava na hora de festejar um casamento na Comuna do Sessa. Uma sanzala perdida, algures, no meio da selva, numa clareira que se situava entre a colina e o rio Sessa, longe do essencial para a vida dos seus habitantes.
As moças, ainda virgens, “cafecos” como lhe chamavam, foram as primeiras a chegar. Vestidas com roupas de cores garridas e ornamentadas com colares e pulseiras de missanga, no pescoço, nos braços e nas pernas, abanavam as ancas com movimentos frenéticos, numa incessante dança erótica, mostrando os seus dotes aos jovens disponíveis da aldeia.
Os seniores, homens e mulheres, à medida que iam chegando, passavam por uma espécie de controlo de presenças, onde um indígena veterano lhes servia caxipembe. Uma espécie de xarope de fabrico artesanal, elaborado com aguardente de batata-doce e bagas de plantas selvagens devidamente trituradas. Uma mistura de elevado teor alcoólico, de cor avermelhada, sabor adocicado e ligeiramente ácido que se confundia com baganha de medronho fermentada.
Depois de cada um saborear um trago de caxipembe ia-se integrando na dança a que chamavam merengue ao ritmo do som monótono e ininterrupto dos tambores. Ao fim de alguns minutos, como se quisessem aliviar o cansaço, abandonavam a pista para beber mais uma dose de xarope e logo a seguir voltavam ao recinto da dança numa postura que parecia de plena realização. Situação que iam repetindo até à exaustão numa aparência de felicidade. Mesmo depois de completamente alcoolizados aquela dança alucinada continuava com os que iam resistindo até os outros recuperarem.
Os mais velhos, cansados de muitas lides, já sem forças para se manterem muito tempo de pé e incapazes de participar na dança, sentavam-se ao redor do recinto em notada nostalgia. Como se desempenhassem funções de júri ficavam de olhar vidrado em todos os movimentos festivos e ao mesmo tempo bebiam caxipembe em pequenos tragos que iam alternando com fumaças em cachimbos de maconha.
Um matusalém, que já não sabia a idade, arrastou-se para as proximidades do recinto, sem a ajuda dos mais novos, onde aguardou, pacientemente, que lhe servissem uma dose de caxipembe.
Os forasteiros que apesar de não estarem familiarizados com aquelas danças tradicionais acabavam imbuídos do mesmo sentimento como se comungassem do mesmo espirito festivo.  
A festa, sempre ao som do batuque, onde as notas iam saindo teimosamente iguais, dando ritmo ao merengue, prolongou-se por dois dias e uma noite. Assim que os tambores finalmente se calaram, a aldeia mergulhou no quotidiano pachorrento, numa estranha melancolia, como se o tempo definitivamente tivesse parado.
No dia seguinte, as mulheres voltaram às lavras para colher mandioca e massango para preparar a refeição e, os homens descansavam à porta dos quimbos como se tivessem chegado de uma grande jornada.
Avizinhavam-se tempos de mudança…