Na abertura da pesca desportiva à truta que
ocorreu, como habitualmente, no dia um de março, acompanhado por três amigos, seguimos
ao encontro das ribeiras da nossa Serra. Este ano também não foi exceção. Bem
cedo, à hora combinada, partimos com destino, inicial, ao rio Ceira a fim de confraternizar
com a natureza rude.
Por volta das sete horas da manhã, chegámos aos
Cavaleiros, sob o Céu límpido e uma temperatura amena, num cenário envolvente de
carquejas e moitas floridas que parecia anunciar a chegada da Primavera. Iniciámos
a jornada, contemplando a beleza daquele jardim natural, num local em que o terreno é de configuração sinuosa e afundado entre
montanhas, mas onde o eterno cantarolar da corrente nos convidava a lançar a
linha à água. Perante a generosidade daquela dádiva da natureza, avançámos rio adentro
prontos a enfrentar qualquer adversidade. No entanto, nesse percurso,
movimentámo-nos com muita dificuldade devido à proliferação de acácias e
salgueiros que, em cada dia, crescem descontroladamente e vão invadindo não só
as margens como também as linhas de água. Contudo, logo que nos
desenvencilhámos de todo aquele emaranhado vegetal, prosseguimos para montante
com destino ao Casal Novo, Mata, Cartamil e Ponte Fajão em busca de melhores
condições de progressão.
No lugar do Casal Novo cruzamos com um pescador
do nosso escalão etário, impelido para aquelas andanças por motivo idêntico ao
nosso, que nos chamou à atenção para a ausência de pescadores que, em anos
anteriores, não faltavam à abertura da pesca. Não foi surpresa, de ano para
ano, já era notado algum abandono por pessoas que, até então, se dedicavam à
pesca desportiva. Para além desses, também não encontrámos jovens. Indicador de
que aquele desporto salutar não desperta o interesse da juventude atual que, certamente,
tem assuntos mais importantes para ocupar os tempos livres o que não era o caso
no tempo da nossa.
O que nos move não é a quantidade de exemplares
capturados, o que só esporadicamente acontece, mas essencialmente usufruir do reencontro
com velhos amigos que são: campos, serranias, rios, ribeiras e riachos. Uma
forma de buscar liberdade na tranquilidade dos montes tentando, tanto quanto
possível, fugir à balbúrdia citadina e à hipocrisia de alguns políticos com que somos
confrontados a cada dia. Pena é que os acessos, repletos de vegetação selvagem,
se vão tornando, em cada passo, mais inacessíveis, dificultando a movimentação
de qualquer transeunte e obstruindo o habitat de todas as espécies piscícolas.
Para nós, mais de que um desporto, trata-se de
uma forma diferente de dialogar com a nossa Serra, apesar das limitações físicas que
a marcha imparável do tempo nos impõe, atendendo ao meio hostil com que somos
confrontados, constituído por corrente de água, vegetação densa, rochedos
escorregadios e açudes escarpados.
Durante décadas percorremos rios e ribeiras de
toda região centro, mas depois da implementação das concessões de pesca que
interditaram muitos desses cursos de água ficámos limitados aos lotes ainda
livres que, por sinal, correspondem sempre aos mais inacessíveis que, por sua
vez, são sempre os mais afastados das localidades. Naquele tempo, conhecíamos à
lupa vários rios como: o Ceira, o Alva, o Unhais e quase todos os afluentes destes
dos quais guardamos recordações de momentos inesquecíveis passados em pleno
convívio com a natureza.
Hoje, a política de concessões que deveria ter
como finalidade o benefício das espécies e do ambiente, em nosso entender, só se
destina a burocratizar. Não se trata de uma questão de rebeldia contra as
concessões de pesca. Longe disso. Apenas discordamos da sua implementação
porque ainda não constatámos nenhuma vantagem neste tipo de regimes. Nem para
os desportistas, nem parra o ambiente, nem tão pouco para as espécies. A menos
que se façam repovoamentos e se limpem as ribeiras no seu todo, tanto nos lotes
destinados à prática desportiva como nas zonas de abrigo ou desova as
concessões não terão, em nossa opinião, qualquer mais-valia relativamente aos
troços livres. Até lá que nos perdoem os simpatizantes deste sistema, mas nós
só destacamos burocracia a que se juntam mais licenças para além das exigidas
pelos serviços florestais (ICNF). De qualquer modo e perante tal cenário, só
nos resta uma solução que é tentar contornar as areias que fazem os possíveis
para emperrar a engrenagem da pesca desportiva em liberdade.
No meio de tudo isso, reconheço que se aproxima
o momento de, também nós, obedecendo à marcha imparável do tempo que caminha
rapidamente para o entardecer da vida, desistirmos de uma prática desportiva
que nos motivou durante décadas, sobretudo pelo prazer de degustar o farnel na
intimidade da natureza. Também outros, do nosso escalão etário, com quem
confraternizámos durante a prática desportiva, deixaram de nos acompanhar: uns porque
o seu percurso de vida foi subitamente interrompido, outros porque a saúde já não lhes permite correr os riscos que este desporto comtempla.
Na continuação da nossa etapa, por volta das
onze horas, chegámos à ponte de Cartamil sem que tivéssemos capturado qualquer
exemplar. No entanto, para além de observarmos os movimentos de diversos corvos
marinhos que são hábeis mergulhadores em busca de peixe, convivemos de perto
com duas lontras bem alimentadas que, indiferentes à nossa presença,
basculhavam, descontraidamente, o leito do rio. E ainda, sem que nada o fizesse
prever, fomos surpreendidos por um javali fêmea (javalina) que acompanhava
vários filhotes (riscados) que, ao aperceber-se da nossa presença, desencadeou
uma corrida tresloucada em direção a um dos nossos elementos que só por milagre
se conseguiu furtar ao ataque. Nada que já não nos tivesse acontecido noutros
locais, mas devo confessar que é sempre uma situação pouco divertida para quem
a vive.
Logo a seguir, como habitualmente, avançámos
para o parque das merendas de Cartamil, (mais propriamente parque Laurinda da
Conceição Fernandes) que se situa a cerca de cem metros a montante da ponte
que, para nós, foi sempre um local de escala obrigatória, não só pelas suas
boas condições como, ainda, por falta de alternativa na região. O dia solarengo
que ia temperando o ar fresco que, entretanto, soprava de nordeste, convidava à
preparação do almoço. A barriga começava a reivindicar a reposição dos níveis
de sólidos e líquidos e nada melhor do que fazer-lhe a vontade.
Quando chegámos ao parque, muito bem ilustrado
por retábulos de santos e lápides com vários poemas de Ramos Mendes, fomos
surpreendidos por um velho amigo que resolveu fazer-nos uma surpresa. Era um
homem que nos acompanhou nem só na pesca como noutras etapas da vida e enquanto
a saúde lhe permitiu respondeu sempre à chamada. Agora, na companhia da esposa
e obedecendo ao apelo da alma, resolveu fazer-nos uma surpresa em plena
contenda. Conhecendo as nossas rotinas, queria comungar do convívio e da
amizade que sempre nos norteou.
Começámos por acender o grelhador e enquanto se
preparavam as brasas para grelhar o bacalhau, íamos degustando os acepipes
acompanhados por um bom tinto alentejano e com graçolas à mistura que começaram,
desde logo, pelo ataque do javali que foi o tema dominante.
Durante o almoço, em alegre cavaqueira, demos
largas ao apetite e recordámos histórias, vividas ao longo da caminhada da
vida, que nos divertiram e nos incentivaram a novos reencontros se a pandemia
(Covid – 19), entretanto, nos permitir. No final, por volta das catorze horas,
o nosso amigo seguiu o seu destino lamentando o facto de já não nos poder
acompanhar como tanto gostava, mas a vida é assim, não se compadece da nossa
vontade. E nós partimos em direção à Pampilhosa da Serra, mais propriamente com
destino às ribeiras de Pescanseco, a seguir Praçais, depois Carvalho e por fim
Pessegueiro. Uma rota que, com o passar dos anos, se foi tornando quase
obrigatória não passando de uma visita turística à nossa Serra.
Apesar de todas as dificuldades que se
avizinham em cada um de nós, nem tudo é mau, foi com satisfação que verificamos
o trabalho que tem sido desenvolvido em prol da limpeza das ribeiras afluentes
do rio Unhais, junto aos povoados, que nos permitiu a passagem em locais que
até há pouco tempo nos eram inacessíveis. Um trabalho gigantesco que deixa a nu
não só parte das margens como também as linhas de água. Como é sobejamente
conhecido, não é um trabalho fácil, atendendo às difíceis acessibilidades e à
vastidão da vegetação. Uma selva que engloba árvores de grande porte como:
acácias, salgueiros, pinheiros, eucaliptos e amieiros. Tudo envolvido por
silvas e vegetação rasteira que impossibilita qualquer movimento. Atendendo a
que a natureza se transforma, em cada dia que passa, e a desertificação vai
alterando a paisagem de forma irreversível, pensamos que pouco haverá a fazer atendendo
a que a limpeza é, economicamente, inexecutável.
No final da jornada
regressámos a casa, e embora as capturas não tenham correspondido às
expectativas, com o sentimento de que passamos um dia em puro convívio com a
natureza agreste. Sem esquecer o excelente almoço que é, nas atuais
circunstâncias, um dos melhores motivos para visitar a nossa Serra. Mas, ainda
assim, cientes que estará próximo o tempo de arrumar o material de pesca.
Excelente descrição do que são as nossas serras e dos objectivos que fazem um humano decidir-se a calcorrear tais caminhos só pelo saudável prazer do convívio. Com a Natureza e com os amigos.Gostei de te ler.
ResponderEliminar