Numa tarde
amena de janeiro, Ernesto entrou no areal da praia saboreando os tépidos raios
solares coados por nuvens esfarrapadas e dispersas pelo céu. Como o tempo
convidava ao passeio à beira mar, seguiu calmamente em direção ao limite da
rebentação das ondas degustando o aroma a iodo que uma brisa suave de oeste ia arremessando para terra.
Assim, reparou
que, perto da rebentação, dois jovens surfistas faziam os preparativos para
entrar na água. Depois de se equiparem com o fato apropriado àquele desporto, deixaram as roupas
e haveres sobre a areia seca, pegaram na prancha e entraram mar dentro indiferentes à temperatura da água.
Como Ernesto
gostava daquele desporto radical, deteve-se a observar o equilíbrio dos
surfistas e o seu destemido confronto com as vagas mais fortes. Ao mesmo tempo, quando passava um olhar observador pela praia, reparou num
homem, de meia-idade, que caminhava na sua direção com um perdigueiro pela
trela. Era um cachorro de raça Pointer e de aspeto cuidado.
O animal
movimentava-se preso a uma correia extensível e à medida que ia avançando pela
areia, ao encontro da água, passava a pente fino toda a área que a trela lhe ia
permitindo como se seguisse o rasto de uma qualquer presa. Busca que o dono ia
acompanhando com notada dificuldade, perante a ansiedade natural do perdigueiro
que corria em todas as direções.
Como se quisesse marcar o território, quando o cão
chegou junto aos haveres dos surfistas alçou a perna e esvaziou a bexiga sobre
os fatos que ali se encontravam, como se aquele fosse o único local do mundo
para se aliviar. Logo a seguir, movimentou-se em círculo, procurando a melhor
posição para se acocorar, acabando por defecar em cima da roupa. Tudo isto, com
a cumplicidade perversa do dono que até parecia divertido com aquele ato
ingénuo de natureza animal.
Julgando que os
surfistas não se haviam apercebido do sucedido, Ernesto não resistiu apressando-se a interpelar o desconhecido que entretanto já se afastava,
sorrateiramente, com a mesma expressão de quem acabara de praticar um ato
altruísta.
– Está satisfeito? – questionou Ernesto em voz bem audível.
– Está a ouvir? – insistiu.
– A conversa é comigo? – questionou o desconhecido, sempre a andar, perante a
insistência de Ernesto.
– Por acaso está a ver mais alguém aqui?
– Vá chatear outro!
– Volte para trás e vá apanhar os excrementos que o cão depositou na roupa!
– Apanhe-os você que eu não sou funcionário municipal!
– Eu também não, mas o cão é seu!
Nesse momento
ambos foram surpreendidos pela corrida, desenfreada, de um dos surfistas que de
imediato agarrou o dono do cão arrastando-o até ao local onde o animal se
aliviara…
– Hoje vais jantar mais cedo! – gritou o surfista.
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