quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

BINÓMIO PERVERSO




Numa tarde amena de janeiro, Ernesto entrou no areal da praia saboreando os tépidos raios solares coados por nuvens esfarrapadas e dispersas pelo céu. Como o tempo convidava ao passeio à beira mar, seguiu calmamente em direção ao limite da rebentação das ondas degustando o aroma a iodo que uma brisa suave de oeste ia arremessando para terra.
Assim, reparou que, perto da rebentação, dois jovens surfistas faziam os preparativos para entrar na água. Depois de se equiparem com o fato apropriado àquele desporto, deixaram as roupas e haveres sobre a areia seca, pegaram na prancha e entraram mar dentro indiferentes à temperatura da água. 
Como Ernesto gostava daquele desporto radical, deteve-se a observar o equilíbrio dos surfistas e o seu destemido confronto com as vagas mais fortes. Ao mesmo tempo, quando passava um olhar observador pela praia, reparou num homem, de meia-idade, que caminhava na sua direção com um perdigueiro pela trela. Era um cachorro de raça Pointer e de aspeto cuidado.
O animal movimentava-se preso a uma correia extensível e à medida que ia avançando pela areia, ao encontro da água, passava a pente fino toda a área que a trela lhe ia permitindo como se seguisse o rasto de uma qualquer presa. Busca que o dono ia acompanhando com notada dificuldade, perante a ansiedade natural do perdigueiro que corria em todas as direções.     
Como se quisesse marcar o território, quando o cão chegou junto aos haveres dos surfistas alçou a perna e esvaziou a bexiga sobre os fatos que ali se encontravam, como se aquele fosse o único local do mundo para se aliviar. Logo a seguir, movimentou-se em círculo, procurando a melhor posição para se acocorar, acabando por defecar em cima da roupa. Tudo isto, com a cumplicidade perversa do dono que até parecia divertido com aquele ato ingénuo de natureza animal.
Julgando que os surfistas não se haviam apercebido do sucedido, Ernesto não resistiu apressando-se a interpelar o desconhecido que entretanto já se afastava, sorrateiramente, com a mesma expressão de quem acabara de praticar um ato altruísta.
    Está satisfeito? – questionou Ernesto em voz bem audível.
    Está a ouvir? – insistiu.
  A conversa é comigo? – questionou o desconhecido, sempre a andar, perante a insistência de Ernesto.
    Por acaso está a ver mais alguém aqui? 
    Vá chatear outro!
    Volte para trás e vá apanhar os excrementos que o cão depositou na roupa!
    Apanhe-os você que eu não sou funcionário municipal!
    Eu também não, mas o cão é seu!
Nesse momento ambos foram surpreendidos pela corrida, desenfreada, de um dos surfistas que de imediato agarrou o dono do cão arrastando-o até ao local onde o animal se aliviara…
    Hoje vais jantar mais cedo! – gritou o surfista.

Sem comentários:

Enviar um comentário