Quando me afoitei na torrente fluvial, Entraste em pânico e acudiste, Com a dádiva da amizade de animal, Que entre os homens já não existe.
sexta-feira, 3 de abril de 2015
sexta-feira, 13 de março de 2015
sábado, 7 de março de 2015
quarta-feira, 4 de março de 2015
REENCONTRO COM VELHOS AMIGOS
Naquele dia,
Carlos Serra chegou ao cantinho da aldeia de origem um pouco depois do nascer do sol e logo
que se ataviou optou por um passeio de manutenção aplicada. Uma caminhada pelo
monte, em passo rasgado, que não passava de uma forma simples de exercitar o
físico e a mente, saboreando o convívio com a natureza agreste. Sempre que
a vida lho permitia, fazia uma pausa nos seus afazeres quotidianos e repetia a viagem ao
reencontro de velhos amigos: campos, riachos e serranias escarpadas. Os seus níveis
de colesterol estavam um pouco descontrolados e havia que tomar alguns cuidados
para contrariar o sedentarismo que levava na cidade.
Em cada dia que
passa, a desertificação vai contribuindo, de forma irreversível, para alterar a
paisagem serrana. Assim, sob um cenário em que muitos terrenos de semeadura se
encontravam ocupados por vegetação selvagem, enveredou por um trilho de cabras agora utilizado, quase em exclusivo, por raposas, veados e javalis. Às
primeiras passadas apercebeu-se de que não iria ser fácil desbravar o caminho repleto de arbustos daninhos que lhe surgiam pela frente, mas continuou mais determinado
do que nunca, pronto a percorrer os cerca de cinco quilómetros do percurso a que
se propusera.
Enquanto se
deslocava ao longo de um velho riacho, ladeado por courelas que outrora foram o
sustento de muitas gerações, usufruiu da companhia de um milhafre que, pairava
no ar, a baixa altitude, descrevendo círculos suaves de observação. Buscava na
distração de um qualquer exemplar das espécies cinegéticas menores a sua refeição.
Contudo, à medida que o tempo vai passando, será cada dia mais difícil encontrar
presas para a sua dieta. O abandono das terras de semeadura vai contribuindo para
o desaparecimento das espécies de que aqueles predadores se alimentam.
Os velhos
amigos de Carlos Serra eram toda àquela natureza verdejante,
salpicada, aqui e acolá, por pequenos povoados, onde o sossego, ar puro e águas
cristalinas, ainda iam resistindo à poluição e à agitação dos tempos modernos.
Era naquela paisagem arrebatadora, carregada de misticismo, com marcas de
muitos séculos de história, que experimentava um sentimento de liberdade
inigualável, contrastando com a constante inquietude própria do bulício da
cidade. Todo aquele espaço ondulado acessível ao olhar, que se estendia por
montes e vales, lhe era familiar. Por onde quer que andasse não parava de
esbarrar em recordações de infância recheadas de peripécias. Memórias do tempo
de criança onde fora crescendo em liberdade e a par de vivências felizes,
também, enfrentara adversidades que viriam a constituir uma sã aprendizagem para
a vida.
Foi naquele
cenário que aprendeu a valorizar as coisas simples da vida e a pacatez do
ambiente rural sustentado no trabalho, na moralidade e no respeito em
sociedade. Entre outras coisas, construiu os seus próprios brinquedos apoiado
na imaginação e livre criatividade. Aprendeu a trabalhar a terra bem como o
tempo e métodos de semeadura das diversas espécies agrícolas. Também aprendeu a
distinguir as constelações que cintilavam no firmamento, visíveis, em noites de
breu. Na água fria das ribeiras, onde o piedoso lamento dos moinhos de moer
o pão se misturava com o eterno sussurro da corrente, aprendeu a nadar e a
pescar as várias espécies piscícolas que por ali habitavam. Foi naquele lugar
que aprendeu a distinguir as diversas espécies cinegéticas que não paravam de
danificar as culturas cerealíferas. Foi também ali que frequentou a escola pela
primeira vez.
Embora, tudo isso, já fizesse parte de um passado
distante, no seu espírito, essas memórias, continuavam tão presentes como se o
tempo, entretanto, não tivesse passado. Agora, visitava as serranias sempre que
podia, como que atraído por uma força superior que na realidade não passava de
um rasgo de saudade daqueles tempos idos.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015
BATUQUE NA COMUNA DO SESSA
Ao início da
manhã, num palco assente em terra batida, três tambores de tamanhos diferentes,
forrados a pele de cabra, davam som ao batuque. Das mãos ágeis de cada
músico saíam as notas que anunciavam o começo da festa. À medida que a
população ia despertando ao som que lhe entrava pelos quimbos dentro convergia
para o local onde habitualmente se reunia em dias de festa. O recinto situava-se sob a
ramagem de eucaliptos gigantescos que iam coando o sol abrasador que, naquela
época do ano, se acentuava sobre a região. Estava na hora de festejar um
casamento na Comuna do Sessa. Uma sanzala perdida, algures, no meio da selva,
numa clareira que se situava entre a colina e o rio Sessa, longe do essencial para a vida
dos seus habitantes.
As moças, ainda
virgens, “cafecos” como lhe chamavam, foram as primeiras a chegar. Vestidas com
roupas de cores garridas e ornamentadas com colares e pulseiras de missanga, no
pescoço, nos braços e nas pernas, abanavam as ancas com movimentos frenéticos,
numa incessante dança erótica, mostrando os seus dotes aos jovens disponíveis
da aldeia.
Os seniores,
homens e mulheres, à medida que iam chegando, passavam por uma espécie de
controlo de presenças, onde um indígena veterano lhes servia caxipembe. Uma espécie
de xarope de fabrico artesanal, elaborado com aguardente de batata-doce e bagas
de plantas selvagens devidamente trituradas. Uma mistura de elevado teor
alcoólico, de cor avermelhada, sabor adocicado e ligeiramente ácido que se
confundia com baganha de medronho fermentada.
Depois de cada
um saborear um trago de caxipembe ia-se integrando na dança a que chamavam
merengue ao ritmo do som monótono e ininterrupto dos tambores. Ao fim de alguns
minutos, como se quisessem aliviar o cansaço, abandonavam a pista para beber
mais uma dose de xarope e logo a seguir voltavam ao recinto da dança numa
postura que parecia de plena realização. Situação que iam repetindo até à
exaustão numa aparência de felicidade. Mesmo depois de completamente
alcoolizados aquela dança alucinada continuava com os que iam resistindo até os outros
recuperarem.
Os mais velhos,
cansados de muitas lides, já sem forças para se manterem muito tempo de pé e
incapazes de participar na dança, sentavam-se ao redor do recinto em notada
nostalgia. Como se desempenhassem funções de júri ficavam de olhar vidrado em
todos os movimentos festivos e ao mesmo tempo bebiam caxipembe em pequenos
tragos que iam alternando com fumaças em cachimbos de maconha.
Um matusalém,
que já não sabia a idade, arrastou-se para as proximidades do recinto, sem a
ajuda dos mais novos, onde aguardou, pacientemente, que lhe servissem uma dose
de caxipembe.
Os forasteiros
que apesar de não estarem familiarizados com aquelas danças tradicionais
acabavam imbuídos do mesmo sentimento como se comungassem do mesmo espirito
festivo.
A festa, sempre
ao som do batuque, onde as notas iam saindo teimosamente iguais, dando ritmo ao
merengue, prolongou-se por dois dias e uma noite. Assim que os tambores
finalmente se calaram, a aldeia mergulhou no quotidiano pachorrento, numa
estranha melancolia, como se o tempo definitivamente tivesse parado.
No dia
seguinte, as mulheres voltaram às lavras para colher mandioca e massango para
preparar a refeição e, os homens descansavam à porta dos quimbos como se
tivessem chegado de uma grande jornada.
Avizinhavam-se tempos de mudança…
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