Ao início da
manhã, num palco assente em terra batida, três tambores de tamanhos diferentes,
forrados a pele de cabra, davam som ao batuque. Das mãos ágeis de cada
músico saíam as notas que anunciavam o começo da festa. À medida que a
população ia despertando ao som que lhe entrava pelos quimbos dentro convergia
para o local onde habitualmente se reunia em dias de festa. O recinto situava-se sob a
ramagem de eucaliptos gigantescos que iam coando o sol abrasador que, naquela
época do ano, se acentuava sobre a região. Estava na hora de festejar um
casamento na Comuna do Sessa. Uma sanzala perdida, algures, no meio da selva,
numa clareira que se situava entre a colina e o rio Sessa, longe do essencial para a vida
dos seus habitantes.
As moças, ainda
virgens, “cafecos” como lhe chamavam, foram as primeiras a chegar. Vestidas com
roupas de cores garridas e ornamentadas com colares e pulseiras de missanga, no
pescoço, nos braços e nas pernas, abanavam as ancas com movimentos frenéticos,
numa incessante dança erótica, mostrando os seus dotes aos jovens disponíveis
da aldeia.
Os seniores,
homens e mulheres, à medida que iam chegando, passavam por uma espécie de
controlo de presenças, onde um indígena veterano lhes servia caxipembe. Uma espécie
de xarope de fabrico artesanal, elaborado com aguardente de batata-doce e bagas
de plantas selvagens devidamente trituradas. Uma mistura de elevado teor
alcoólico, de cor avermelhada, sabor adocicado e ligeiramente ácido que se
confundia com baganha de medronho fermentada.
Depois de cada
um saborear um trago de caxipembe ia-se integrando na dança a que chamavam
merengue ao ritmo do som monótono e ininterrupto dos tambores. Ao fim de alguns
minutos, como se quisessem aliviar o cansaço, abandonavam a pista para beber
mais uma dose de xarope e logo a seguir voltavam ao recinto da dança numa
postura que parecia de plena realização. Situação que iam repetindo até à
exaustão numa aparência de felicidade. Mesmo depois de completamente
alcoolizados aquela dança alucinada continuava com os que iam resistindo até os outros
recuperarem.
Os mais velhos,
cansados de muitas lides, já sem forças para se manterem muito tempo de pé e
incapazes de participar na dança, sentavam-se ao redor do recinto em notada
nostalgia. Como se desempenhassem funções de júri ficavam de olhar vidrado em
todos os movimentos festivos e ao mesmo tempo bebiam caxipembe em pequenos
tragos que iam alternando com fumaças em cachimbos de maconha.
Um matusalém,
que já não sabia a idade, arrastou-se para as proximidades do recinto, sem a
ajuda dos mais novos, onde aguardou, pacientemente, que lhe servissem uma dose
de caxipembe.
Os forasteiros
que apesar de não estarem familiarizados com aquelas danças tradicionais
acabavam imbuídos do mesmo sentimento como se comungassem do mesmo espirito
festivo.
A festa, sempre
ao som do batuque, onde as notas iam saindo teimosamente iguais, dando ritmo ao
merengue, prolongou-se por dois dias e uma noite. Assim que os tambores
finalmente se calaram, a aldeia mergulhou no quotidiano pachorrento, numa
estranha melancolia, como se o tempo definitivamente tivesse parado.
No dia
seguinte, as mulheres voltaram às lavras para colher mandioca e massango para
preparar a refeição e, os homens descansavam à porta dos quimbos como se
tivessem chegado de uma grande jornada.
Avizinhavam-se tempos de mudança…
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